sábado, 26 de novembro de 2011

Antropologia em Moçambique

Por Marílio Wane

A área de Ciências Sociais em Moçambique é relativamente nova e vem passando por rápidas e constantes transformações. Para compreendê-las, talvez seja necessário fazer menção a alguns aspectos da história recente do país. Moçambique se tornou independente de Portugal em 1975, duas décadas depois dos primeiros processos de independência no continente; essa conquista tardia se deve ao anacronismo do colonialismo português, que tinha nas suas possessões na África a sua única fonte de riqueza. Desse anacronismo resulta outra característica distintiva de Moçambique – e outras ex-colônias portuguesas – que é o fato de ter se libertado por via de uma luta armada e não por acordo com a ”Metrópole”, como foram as primeiras independências africanas. Além disso, por força das circunstâncias, logo em seguida, Moçambique se alia ao bloco soviético no contexto da Guerra Fria e se instaura um regime socialista no país.

Assim, o colonialismo e o socialismo deixaram marcas profundas na sociedade moçambicana contemporânea em geral, e como não podia deixar de ser, também na produção intelectual. Para a Antropologia, isso significou um longo período de ostracismo no momento imediatamente posterior à independência porque havia a percepção por parte do regime socialista de que a disciplina era um “instrumento do colonialismo”... e realmente era. Aqui, devemos nos reportar ao desenvolvimento da Antropologia como disciplina acadêmica, que teve nos estudos realizados no continente africano grande parte do seu impulso criador. A antropologia colonial (não apenas portuguesa) se pautava pelo velho “conhecer para melhor dominar”, irmão mais novo do “dividir para conquistar”; somado a isso, há o fato de que o colonialismo português se deu sob um regime fascista – a ditadura de Salazar – no qual a produção intelectual era ideologicamente subordinada aos interesses do governo. Por sua vez, o socialismo do pós-independência também implicou nesse tipo de subordinação, desta vez tendo como substrato o materialismo histórico de Marx. O ostracismo a que a Antropologia foi relegada durante a vigência do regime foi radical: de 1975 a 1992, a disciplina simplesmente não constava dos currículos da Universidade.

Voltando ao país em 2005, pude vivenciar na prática as conseqüências destes processos, no âmbito de um quadro geral de precariedade no sistema de educação. Já no segundo semestre, tive a oportunidade de trabalhar como assistente de um professor titular do curso de Sociologia da principal instituição de ensino superior do país, a Universidade Eduardo Mondlane e no ano seguinte, em 2006, fui também assistente, desta vez no ISCTEM – Instituto Superior de Ciências e Tecnologia de Moçambique, uma instituição privada. Na UEM, a minha atividade era absolutamente informal e não-remunerada, o que me abriu portas para um trabalho formal/remunerado no ISCTEM.

Além de um certo autoritarismo e da formalidade excessiva nas relações do meio acadêmico – acredito que ambos frutos de colonialismo e do socialismo -, um aspecto fundamental é a grande carência de quadros capacitados, o que me permitiu dar aulas apenas com um título de graduação. Embora fosse assistente, na prática, eu próprio escolhia os textos, preparava e dava aulas. E não se trata de um caso isolado; no país, existem poucos doutores, alguns poucos mais com mestrado e um grande número de docentes universitários apenas graduados.

Fora do meio acadêmico, as principais oportunidades de trabalho para antropólogos e cientistas sociais em geral são as consultorias financiadas por órgãos internacionais instalados no país. E isto reflete aspectos políticos e sociais contemporâneos da África em geral; esse tipo de estudo se dá, em grande medida, no contexto de dependência externa em que se encontra a esmagadora maioria dos países do continente. Tive a oportunidade de fazer trabalhos para órgãos como o GTZ (Agência de Cooperação Internacional Alemã) e para o PNUD (Programa das Nações Unidas para a População); em ambos os casos, o caráter do trabalho é produzir diagnósticos de uma dada situação no país, a partir dos quais vão se desenvolver políticas públicas. A grande crítica que se faz a essa “indústria de consultorias” é que esses trabalhos constituem uma ingerência na política nacional e até mesmo uma ameaça à soberania, uma vez que se pautam por agendas muitas vezes alheias aos interesses do país. Por outro lado, os diagnósticos produzidos por estudos dessa natureza acabam por legitimar a chamada “ajuda internacional”, da qual países como Moçambique dependem (cerca de 40% do orçamento do país); e assim se reproduz o ciclo de dependência política e econômica.

Outra opção é o Estado. Desde o segundo semestre de 2007, fui contratado como pesquisador em Etno-Musicologia pelo ARPAC (Arquivo do Patrimônio Cultural), instituição homóloga ao IPHAN brasileiro. Ainda assim, só ultimamente tem se dado importância ao papel da cultura no desenvolvimento do país; um tema bastante marginalizado nos períodos anteriores muito em função dos regimes totalitários no controle político. A partir do estudo sobre Timbila (manifestação cultural moçambicana que foi recentemente proclamada pela UNESCO como patrimônio imaterial da Humanidade), desenvolvi um projeto de mestrado cujo tema é a política cultural em Moçambique e que venho realizando desde o início do ano (2008) no Centro de Estudos Afro-Orientais da Universidade Federal da Bahia.


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