terça-feira, 11 de outubro de 2011

Psiquiatria e Cultura

Por Marcos de Noronha
A civilização não escapa das doenças simplesmente com  o progresso. Elas continuam com nomes diferentes: mortalidade infantil e doenças infecciosas nos países em desenvolvimento; doenças degenerativas e distúrbios psiquiátricos nos países desenvolvidos.
Embora a ciência reconheça o Homem como um ser bio-psico-social, na prática, os sistemas de saúde pouco se utilizam de mecanismos sócio-culturais como coadjuvantes nas estratégias para proporcionar equilíbrio ao homem. O enfoque puramente biológico sobre os sintomas mentais, através de medicações, pode parecer cômodo e atende a interesses comerciais, mas esta longe de ser a solução para os nossos serviços de saúde. Assim como um enfoque exclusivamente psicológico tem suas limitações nos resultados de um tratamento. Uma técnica psicoterápica que privilegie o atendimento apenas a um indivíduo só serve para poucos, geralmente os que têm poder aquisitivo, e acaba fugindo da realidade brasileira, mesmo em regiões mais privilegiadas, como o sul do país. As psicoterapias longas são outro inconveniente, por serem dispendiosas e dependentes da interpretação do terapeuta, conotado como única fonte de saber.
Etnopsiquiatria ou psiquiatria cultural não se trata de mais uma especialidade, mas sim um ramo de estudo que chama a atenção para aspectos mais amplos que envolve o ser humano e a necessidade de abordagens, tanto terapêuticas como preventivas, coerentes com esta dimensão. A Etnopsiquiatria reconhece os recursos disponíveis em cada cultura como um complemento oportuno ao tratamento, extraindo da família ou comunidade os valores sócio-culturais, que utilizados numa terapia dinâmica e com participação coletiva, podem ser uma proposta oportuna e eficiente de terapia para a nossa sociedade. Baseado no modelo das sociedades tradicionais, a reunião circular é, sobretudo, um ambiente de troca, compartilhamento e exercício de solidariedade. Diversos métodos terapêuticos foram desenvolvidos nos últimos anos com uma visão mais ampla do indivíduo como Roger Bastide preconizava na década 60. Psicoterapias que consideram o contexto onde o indivíduo esta inserido; que valorizam vivências como estratégia para mudar a postura; que pregam mudanças de paradigmas adotadas amplamente pela sociedade estão encontrando seu espaço e conquistando preferência.
Hoje, instituições e governos melhor informados, atuam com cuidado em sociedades autóctones, preservando suas formas tradicionais de cura e religião. Aprendemos a lição, de que a maneira de curar das sociedades autóctones, tem sua lógica – ênfase dada por Lévi-Strauss - e não pode, simplesmente, ser substituída por recursos ditos científicos da sociedade dominante. Através da antropologia, a medicina foi buscar subsídios na lógica das sociedades tradicionais, para suprir as lacunas deixadas pela visão reduzida aos aspectos apenas orgânicos dos fenômenos promovidos pela sociedade moderna.

Quais são os males que afligem a sociedade atual e as projeções que temos para um futuro próximo. Qual será o novo papel do psiquiatra e trabalhadores de saúde mental diante dessas projeções. De que forma prática os conhecimentos sócio-culturais podem ser implementados nas psicoterapias em um consultório, instituição ou comunidades, visando resultados mais satisfatórios? A terapia de grupo não é preconizada apenas como uma alternativa barata, mas como uma estratégia que mostra que cada um de nós, ou que cada comunidade, tem seus recursos internalizados que podem ser estimulados. Além disso, a força grupal é outro aspecto que transcende a ação unicamente do terapeuta com seu paciente; e mais ainda, mostra um modelo de troca e partilha dos saberes e vivências. A estratégia de criação de “redes sociais” de assistência e prevenção, com grupos de profissionais capacitados e articulados com os sistemas de saúde, podem atender e prevenir a maior parte dos problemas mentais.
Reconhecendo: tanto o saber científico como o tradicional; a força da participação coletiva; a eficiência da comunicação em forma de testemunho das dores e soluções vividas por cada um; devemos desenvolver também uma proposta de prevenção, que utilize a interatividade num meio de comunicação massiva. Investir num programa que possa fazer frente a comunicação tendenciosa comumente veiculada pela mídia numa sociedade competitiva que quer vender seus produtos é pertinente. A verdade é anunciada, muitas vezes de forma contraditória, sobre vários temas de saúde. Alimentação ideal, tipo de parto, atividade física, tratamentos, postura – cada um defendendo um ponto de vista diverso, conforme a maneira reduzida de interpretar o fenômeno. A sociedade acaba adotando a informação como adota uma religião, quando não pode se valer do bom senso. É com este espírito que dou as boas vindas a Revista Pré-consulta em Florianópolis e desejo que os colaboradores possam contribuir com informações coerentes e baseadas nos avanços da ciência, mas de uma ciência ampla, que considere também a psicologia e antropologia como fontes de conhecimento.

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