sexta-feira, 14 de outubro de 2011

Filosofâncias de Zé de Arruda: a bunda

Por Homero Fonsêca
Zé de Arruda, o ex-professor vagabundo, aparece nos lugares mais inesperados: numa vernissage na sofisticada Arte Plural Galeria ou num campeonato de dominó no Alto das Pedrinhas.
Semana passada, encontrei-o tomando um chá mate gelado no café do luxuoso shopping Paço Alfândega. Sentei à sua mesa e entabulamos um desses papos genéricos. Estava ele discorrendo calmamente sobre como, de uns tempos para cá, os comerciais de televisão são gritados em tão altos decibéis.
“Esse fenômeno – observou o filósofo – parece coincidir com a recente ascensão social e econômica das classes C e D. Certamente os anunciantes acreditam que esse pessoal é meio surdo. Mas os publi...
Interrompeu a frase ao mesmo tempo em que seu olhar fixava-se em algo que passava e rutilava intensamente.
Olhei na direção do foco de seu interesse. Era uma morena de seus 30 anos, metida numa calça de malha preta justíssima, que passou por nós sobranceira e sentou-se numa mesa adiante, onde estavam duas amigas.
- Tu visse o que eu vi, seu Fonseca? – perguntou Zé.
Respondi com um sorriso cúmplice.
- Que exuberância de glúteos!
Concordei com a cabeça.
- A Vênus Calipígia em pessoa!
Novamente assenti positivamente.
- Que Índice Nático impressionante!
- Índice o quê? – perguntei, ignorante.
Sem tirar os olhos da moça, ele explicou:
- O Afrânio Peixoto, o velho acadêmico que chegou a presidente da ABL, também era médico e racialista,que, como tu sabes, era a posição antropológica dos caras que, nos começos do século passado, acreditavam em diferenças entre as pessoas determinadas pela raça. Sendo racialistas, quase sempre eram racistas, também.
Eu acompanhava interessado sua peroração, na expectativa de alguma tirada.
- Pois bem. Afrânio Peixoto foi quem inventou o tal Índice Nático, isto é, relativo ao volume das nádegas e que, na sua opinião, revelava, como ele dizia, “o sangue negro concentrado em muita branca ou morena bonita do Brasil.” Ahahahaha.
Cofiou as barbas grisalhas sempre em desalinho como os cabelos longos e acrescentou:
- Ele chegou mesmo a publicar um trabalho pseudamente científico definindo o índice: o perímetro nático (ou seja, a circunferência da bunda) multiplicado por 100 e dividido pela altura da moça, ou N x 100 / altura.
Novamente parou a explanação. Seu olhar incendiara. A moça tinha se levantado para se despedir das amigas. Realmente seus atributos glúteos eram uma maravilha.
Zé de Arruda se excedeu:
- Que bunda, meu Deus do céu! Essa bunda tem personalidade própria!
- Como assim, Zé?
- É um ente autônomo...
- Como é que é?!
- Isso mesmo, autônomo, independente da dona. Uma bunda dessas não precisa da dona para nada. Veja como é altiva, consciente de sua beleza soberba! Uma criatura perfeita! Acho que vou lá.
- Que é isso, camarada? Quer ser preso por assédio?
- De jeito nenhum. Ninguém vai me acusar de assédio, pois não vou perturbar em nada a moça.

- Ora, você não disse que ia lá?
- Sim, mas somente para perguntar à dona como é nome daquela bunda!

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