sexta-feira, 21 de outubro de 2011

O olho da solidão

Por Vicente Serejo
E então resolvi olhar a solidão dos outros. E nem notei que a solidão,às vezes, não é visível,eu que levei anos e anos para descobrir as oscilações da alma. E para entender,quase sem querer, que alguns dias e algumas noites a consciência bate no seu ombro e avisa: estou aqui.
Não há muito o que fazer diante da consciência. No máximo é possível ter coragem, embora sabendo que um corajoso, diante dela, pode muito pouco. Nesses dias e nessas noites a consciência é bonita e sensual e resta quase nada a fazer, duas ou três frases a compor e um desejo vago de ler poemas.
E foi olhando a solidão dos outros que descobri a minha solidão. Não a solidão do divã do psiquiatra, aquela movida pela ausência. Falo da solidão pior, daquela que fica entre o gesto e o pensamento, do destino solitário de amar sozinho seja lá o que for, uma mulher, um bicho ou uma paisagem.
O gesto solitário de olhar o olhar dos outros e perceber sem saída, que a solidão tem um gesto próprio de ser e de se revelar. Há sempre uma solidão na gente, no desvão mais escondido da alma e se é só dormindo, sonhando, lendo ou conversando, ainda que diante de nós estejam várias pessoas.
A solidão de não ser querido por quem mais se deseja ou a solidão de ser abandonado em sua verdade só porque, um dia, disseram sem provas que você era assim. A solidão de ter todos em sua volta, mas sabendo que não tem ninguém e que depois da festa você vai voltar sozinho.
Pensar, por exemplo, na solidão feliz dos que desejaram viver o perigo permanente da conquista e da perda, como se a vida fosse o grito nervoso da bolsa de valores: ações de amor ao portador, certificados de depósito bancário sem credor, operações de risco e desamor.
Então vem a dúvida se vale a pena ter tanta certeza e se há alguma utilidade em ser seguro em tudo. Há sempre uma armadilha no chão mais íntimo porque a alma de cada um esconde sempre uma tristeza que não é fácil de ser revelada até porque nem se sabe mesmo se é tristeza ou não.
Por isso resolvi olhar a solidão dos outros. Para ter certeza de que cada um vive a sua forma de solidão. Basta que toque no rádio uma canção sem graça que a ninguém diz nada. Mas que por conta de alguns versos tolos, de uma poesia vulgar, faça de você alguém muito só. Como um dia descobriu o poeta Ferreira Itajubá quando viu, sozinho, a solidão tristíssima dos morros.


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