sexta-feira, 14 de outubro de 2011

O negro, uma história que surpreende (Valeu Zumbi!)

 Por Claudio Fernando Ramos

"O branco procura encontrar no próprio negro os motivos da distância social, do preconceito, e das tensões que se revelam nas relações entre ambos [...]." O sociólogo Octavio Ianni discorrendo sobre Raça e Cultura, aborda uma problemática, dentre as muitas existentes nesse país, com a qual venho lidando ao longo de minha existência.

Somos uma nação forjada na culpa, ou seja, temos uma herança Católica Romana fundamentada no dicotômico: fé ou heresia. O maniqueísmo que tanto "atormentou" o Bispo de Hipona (Santo Agostinho 354-430), pouco antes de sua conversão ao cristianismo, sempre foi marca registrada na história do Ocidente: certo ou errado, feio ou bonito, verdade ou mentira, céu ou inferno, bem ou mal, preto ou branco etc. Artur da Távola (1936-2008) que foi: jornalista, político, escritor, radialista, advogado e crítico musical, afirmou que o povo brasileiro não tem vocação para Primeiro Mundo, mas sim, para ser feliz. Porém, algo muito me intriga, como ser feliz se não se sabe nem ao menos o que se é? Alguém disse que sabemos sobre nossa origem, ou seja, que o nosso começo passa, necessariamente, por uma miscigenação de três etnias específicas: brancos, negros e índios. O nosso ex-presidente (FHC) afirmava peremptoriamente: "Todos temos um pé na cozinha.". Se tudo isso é verdadeiro e nós temos essa consciência, por que razão não vivemos isso? "Só a antropofagia nos une. Socialmente. Economicamente. Filosoficamente. [...] Tupi or not Tupi, that is the question" Mesmo sem negar a necessidade de se dialogar com o que vem de fora, Oswald de Andrade e os demais Modernistas, já na primeira metade do século passado, indicava a necessidade de uma identidade nacional nas produções artística desse país. Ora se essa necessidade se faz premente nas artes, o que não dizer da urgência da mesma em relação a vida das pessoas e da nação de um modo geral?

Na condição de cidadão negro, venho experimentando reveses em minhas inúmeras tentativas de abordar assuntos dessa natureza. Falar na estruturação étnica de nosso povo é semelhante a mexer em caixa de marimbondo, o que de mais simples pode acontecer é ser mal interpretado. Quando não há mal entendidos, o que é uma exceção à regra, o diálogo assume um caráter evasivo: "já foi pior...", "o negro é o maior racista...", "está melhorando...", "não existe esse negócio de raças, a única que há é a humana...", "pra mim todo mundo é igual...", "todo mundo é filho de Deus...", e por aí vai. Acredito firmemente que não se pode ser nada, efetivamente, nessa vida enquanto não se sabe o que se é diante da vida. Alguns dos pragmáticos afirmam que o ser das coisas consiste na forma de comportamento que se tem diante delas, eu não sou tão pragmático a esse ponto, e acredito que o povo brasileiro também não.

Abomino a culpa (essa dá-me a certeza de condenação prévia), elejo a responsabilidade ( a exemplo da primeira também coloca-me no tribunal, mas não sem representatividade). Eu não estive lá, não escrevi a história da forma como ela se encontra, porém isso não me torna menos responsável.

Mesmo detendo uma identidade própria, semelhantemente as etnias existentes, tudo tem uma origem comum, nisso eu acredito. Mas esse comum, até que venha ser plenamente conhecido, necessitará dessas particularidades com as quais lidamos diariamente: o útil (economia), o bom (ética), o belo (arte), o verdadeiro (filosofia) e o sobrenatural (religião).

O Renascimento que durante um bom tempo da Modernidade grassou na Europa, precisa, a exemplo do mito grego, renascer mais uma vez das cinzas (se as cinzas do passado foi a Idade Média, hoje é o pragmatismo cultural), só que dessa vez deve ocorrer para todos, sem limites de fronteiras. Isso, talvez, já esteja acontecendo, será? O "galã" da emissora dominante foi negro, a família que reside na casa mais conhecida do mundo é negra, a mulher "mais bela do universo" é negra... Olho para esses eventos e, confesso, não deixo de me surpreender! E, é aí que reside o problema, eles ainda surpreendem.



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