domingo, 25 de setembro de 2011

Domingo, de Jairo Lima

Livro da Sétima - danças (poesia)
domingo

A primeira riscou com seu fogo um gesto vermelho amarelo vivo
que pôs em movimento as mansas roldanas dos círculos;
houve uma e mais uma manhã
e os dias incendiados tramaram suas geadas e afiaram seus granizos
houve uma e mais uma manhã
e de gelo se fez e de pedra a infância de montes de vales de rios e de mares
e os ventos dançaram seus colares de vidro entre pilares brancos de mármore líquido
entre pilares brancos de mármore líquido houve uma e mais uma manhã
o gesto da Primeira foi côncavo infinito - mãos em concha sobre o enxame ígneo
na manhã das fornalhas a Primeira dançou para veludos negros cegos
e sua pavana de trovões não encontrou ouvidos

II
antes que os espelhos em teu fogo cravassem brilhos
antes que as retinas imprimissem o rubi fervente do teu grito
antes do primeiro ontem aguardavas a palavra manhã
para marcar a pausa entre o adágio da noite enluvada em surdinas
e o naipe feroz das cornetas do sol
naquele antes só te contemplavam as neblinas que não te diziam
e em esparsos vapores teu ser imergia
e em esparsos vapores então o dia a noite eram palavras que só depois se ouviriam
quando então o teu ser construísse com sopros a sua alvenaria.

III
então dançaste para a noite que te envolvia em crescente círculo expandido explodido penetrando com suas paredes descarnadas o não
e a dança das tuas esferas vazava a nascente dos mitos
que aguardavam então o verbo ainda não dito
para que, dizendo-te, acendesse fogos em teu sacrário e pandeiros, anunciantes do vôo das tuas mãos, fossem ouvidos

IV
estrela muda de olhos de vidro
danças com o leque de tuas mãos
vivos pavões escandidos
estrela dura que desenhas com teus panos em brasas drapeados a geografia do improviso moldando nas colunas do teu fogo o gesto encurvado dos ventos antigos
estrela límpida
sol
límpido sol nascido
nas fronteiras de tua mão o inverno escreve os seus indícios

V
e chegaste com tua lanterna de sóis enjaulados ao pórtico dos dias
e tua retina respirou o silêncio e perfurou as trevas e tateavas a vazia epiderme do não que te envolvia em seus armários
ainda não aprenderas a modular o clamor dos teus trovões
com o silêncio que te envolvia em ritmo metro de pausas sim e não
dançavas e não ouvias
a lâmina dilacerante dos teus vulcões

VI
eu não te
vi quando sobre a massa negra fria ejaculavas teus néons
e salpicavas de dia aquela noite que, inteira, corria diante de ti
eu não te ouvi quando os teus sinos anunciavam o teu prodígio
de raios nascidos retos claros em dentro de ti
sobre os lábios extremos de uma madrugada que se refaz no pátio sem ventos
pousa a tua ausência viva e se espirala o teu solene incenso
em ti, no teu espanto, vejo-te clara a sensação do imenso
com os olhos que inventei para mirarem as órbitas descarnadas que precederam o meu primeiro alento
com olhos que inventei vejo-te claro lume
vejo com as frias águas dos olhos congeladas as franjas do teu fogo
e ouço a pedra quente consumindo as águas que, evaporadas,
conspiram suas nuvens baldias em silêncio
para o teu fogo invento uma abelha de aço
e uma noite de ventos
e bailas

VII (a taça)
(A Pietro Wagner)

em ti a nervura mais íntima da flor já existia em claro pensamento
e o percurso em pedra da montanha
e na face da pedra os veios que cavariam os ventos
pedra e vento, esplendores vivos teus,
e o mar com todos os seus mapas submersos
tudo existia em luz na tua vontade de dar músculos e espelhos e águas aos olhos
que contemplariam o momento em que o teu quero inventasse as tuas mãos
e as tuas mãos moldassem mãos que inventariam turíbulos incensos
como uma idéia de neve pousada sobre uma idéia de vulcão
assim o teu sim inaugurava todas as ausências
e soprava ao nada o teu alento.

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