domingo, 25 de setembro de 2011

Da arte de ser falso, Jornalista Vicente Serejo

 Tenho a impressão, Senhor Redator - e perdoe se a alma transborda de exagero - que os falsos de toda espécie não têm cura. Não lhes é dado ao menos a consciência de que falsificam a vida como uma maldição. É preciso ter olho capaz de flagrar, mesmo quando vestem a capa e a espada da vaidade nos jogos sociais, e vão enganando a todos, convencidos de que não serão vistos no seu disfarce, com o requinte que sabem exercer como se uma arte fosse, entre soslaios. Mas, em compensação, não há falsos perfeitos. Eles sempre se revelam, nas suas relações oficiais e até com amigos. Gostam dos ricos e poderosos, em quem inventam nobrezas, cegos que são ao limite de todas as coisas. Daquela terrível e quase invisível servidão voluntária que um dia La Boétie denunciou. E há os habilidosos e discretos que enganam melhor porque são cuidadosos e se protegem da luz da opinião pública que a tudo sabe expor e iluminar sem pudor. Há os falsos bem dotados de inteligência, bem adestrados no trato, maneirosos nos gestos, solícitos nos sorrisos. É fácil vê-los - se não notem que são vistos - e até seguidos a cada palavra, gesto, a cada passo. Em alguns, não se há de negar, o disfarce é quase perfeito com seu verniz intelectual que adorna o bestunto aos olhos dos incultos. E assim vão vivendo, fraudando o olhar das almas de boa fé, mesmo cativos dos sabidos que sabem prendê-los pelo vício da servidão. É bom, para melhor conviver na dissimulação, não subestimar-lhes o faro aguçado que a tudo registra. Melhor olhar os seus gestos e ouvir suas palavras como se não houvesse ninguém a olhar, a ouvir. Olhos bem oblíquos, os ouvidos postos noutra direção. Nada como respeitar-lhes a fantasia de ogros, eles cobertos com a falsa alegria dos losangos coloridos e arlequinais. Palhaços sem maquiagem, neles a boca vermelha que gargalha vive escondida numa velha gaveta da alma. E depois, cuidado. Eles andam por ai. Suas gravatas refletem sob os refletores da luzidia vida social e eles se estiolam em gestos, ademanes e meneios solenes, principalmente se nascidos dos remorsos inconfessáveis. Velhos feiticeiros da servidão humana, são alquimistas do falso e por isso dominam a arte da dissimulação. Alguns, de tão afetados, manipulam a própria vaidade nos seus punhos de arminho, presos ao ornato das abotoaduras, como se não fossem percebidos.Por isso é indispensável ter olhos escondidos. E pô-los em algum lugar invisível só para vê-los no volteio das verônicas que ensaiam nos bailes de máscara. Sim, é na festa onde melhor revelam seus rituais. E, para decifrá-los, basta segui-los. Nos toques; no olhar inquieto; na tosse nervosa; no esgar perverso; no silêncio doído que foge dos olhos como se nascesse da inveja ou da pobreza de alma que só eles, os falsos, sabem esconder sob os velhos títulos que chacoalham.

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