Data: 23 outubro 2012 - Hora: 18:00 - Por: Vicente Serejo
Tenho sustentado aqui,
Senhor Redator, a despeito dos muxoxos e resmungos dos intolerantes, que nesta
Aldeia Velha já não temos elites. No máximo, e se muito, um tanto de ricos e um
pouco de muito ricos. E se a solidão, como no bolero, não apavora, é bom que de
vez em quando venham cair nos olhos outros olhares. De preferência, que não
sejam de mestres e doutores do óbvio, mas feitos da sensibilidade indispensável
dos que, mesmo vitoriosos no mercado, nem assim deixam de enxergar.
Falo do olhar de Nizan
Guanaes, um dos mais vitoriosos do grande mercado da publicidade e hoje um nome
internacional com agência em Nova Iorque, detentor de algumas das maiores
contas publicitárias do mundo. E ele escreveu na Folha de S. Paulo – sempre às
terças-feiras, na última página do caderno Mercado – agora para avisar a quem
queira saber: ‘Depois da nova classe média, este país precisa de uma nova
classe alta’. E acrescenta convicto: ‘O Brasil moderno exigirá uma nova elite’.
O pior, Senhor
Redator: não são os olhares burros que renegam a verdade. São os reacionários
de toda espécie, mas, sobretudo, os tardios. Enriquecidos nas últimas décadas e
de riquezas nascidas da especulação ou de consórcios com as burras do Estado. É
neles que floresce a reação contra o exercício da crítica, como se todo
questionamento minasse da vertente da inveja, quando não do despeito ou até da
frustração pessoal, traço medonho que marca a visão canhestra dos que se julgam
inquestionáveis.
Como escreve Nizan,
não se trata de desrespeitar ninguém com generalizações, mas é sempre bom não
esquecer que a mazela do dinheiro – se é que há alguma doença na riqueza – é
esquecer as velhas lições do saber popular que vem do fundo da noite e dos
tempos, como aquela do ‘pai que funda e o filho afunda’. Ou, aquela outra que
embora prosaica na sua pobre literatice, bem explica a sucessão da vida quando
se foi um neto rico, um filho próspero e alegre, para no fim ser apenas um
velho pobre.
Para Nizan, é muito
difícil acreditar no futuro de uma nação sem elites bem formadas, ‘dividida por
preconceitos e ódios’. E tem razão: nem a sanha contra os ricos como acontece
na França de hoje, nem o Brasil tal como ainda é, pois mesmo reconstruído nas
bases sociais e econômicas ‘por um líder sindical e uma economista vítima da
ditadura’, nem assim não pode se preparar para viver seu instante maior sem
formar elites para conduzi-lo no mundo sempre competitivo e a exigir eficiência
absoluta.
Nizan reclama de uma
classe rica brasileira que teima em deixar suas crianças crescendo nos
shoppings apenas ‘consumindo loucamente sem ter desafios e sonhos que
transcendam um abdome de tanquinho e o próximo modelo de iPhone’. Para ele,
rico e bom educador dos seus filhos, formar assim é ‘falta de amor com ela – a
criança – e falta de responsabilidade com o país’. Ou seja: ninguém com toda a
riqueza do mundo forma elites num shopping, na disputa de carrões e na
competição de grifes.
E sua constatação foi
real. Ele acabou de levar um dos seus filhos para um teste de admissão em duas
escolas Americanas e lá encontrou muitos pais chineses e indianos, e nenhum pai
brasileiro. E ele escreve irônico: ‘O português tão ouvido nas lojas de Nova
Iorque e Miami é bem menos ouvido na Harvard que eu e meu Antônio visitamos’.
Uma lâmina a cortar a carne da vulgaridade, ele completa: ‘Se você é brasileiro
e quer ter um caso secreto em Nova Iorque, leve sua morada para uma
biblioteca’.
E conta a visita que
fez ao muitas vezes milionário Bill Gates em sua casa: ‘Me emocionei andando
pela biblioteca dele. Estão lá os mais importantes livros da civilização humana
nas suas primeiras edições. E é óbvio que o dono daquela biblioteca vai
dividi-la com o mundo quando não estiver mais nele’. E acrescenta, assumindo um
tom conceitual e sem temer a intolerância dos que são apenas muito ricos e
tolos: ‘Ser rico é um privilégio, um direito e também uma responsabilidade’.
E resume, num
parágrafo, sua história: ‘Meu pai, que era médico, foi para a Inglaterra com
bolsa de estudos do governo e me levou para aprender inglês, conhecer o mundo e
não ter medo dele. Meu avô Demócrito Mansur de Carvalho, líder sindical
comunista, ensinou-me a amar Castro Alves. Minha mãe a amar Pablo Neruda e
Machado de Assis’. E conclui: ‘Já a classe alta tem motivos tão nobres quanto, embora
nem sempre tão evidentes: liderar essa transformação com valores includentes,
iluministas e brasileiros’. Enquanto isso, os nossos ricos aqui na aldeia,
arrotam, arrostam, arremedam.
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