sábado, 3 de novembro de 2012

Serejo: Com vocês, a liderança

Por Vicente Serejo

O ser biônico – prefeito, governador ou senador – de todas as violências foi a bactéria mais terrível que até hoje infecciona a democracia brasileira. Principalmente os mandatos executivos conquistados sem voto, pela força das dragonas. O campo fértil onde nasceram as lideranças comunitárias e a propaganda governamental. Até hoje, os seus criadores – os políticos – pagam o preço dos monstros que criaram em suas fabriquetas de líderes substituindo o laço da palavra com a arte da retórica pelos fogos de artifícios.

A segunda geração de governadores biônicos foi marcada por uma busca artificial de popularidade e o instrumento nasceu de uma ideia em muito reforçada pelos setores conservadores católicos a partir da sua experiência na mobilização da comunidade: os conselhos comunitários a partir da criação das Secretarias de Trabalho e Bem-Estar Social. Nos conselhos nasceram as ‘lideranças’ já que não poderiam ser chamadas de ‘líderes’. E foram essas lideranças, à época, os operadores das generosas verbas sociais.

Como essas lideranças nasciam do oportunismo e não de formação política – este o traço positivo e salutar os governos não copiaram da ação social católica e sua conscientização – transformaram-se, por deformação, em exploradores dos cofres públicos municipais, estaduais e federais. O modelo gerou a proliferação de conselhos e centros e as ‘lideranças’ passaram a exercer a intermediação entre o governo e a comunidade em troca de mobilização política quando das eleições proporcionais que estavam mantidas.

O cancro político, para usar uma expressão dos portugueses quando se referem ao câncer, acabou por virar um monstro que hoje escraviza os políticos, do vereador ao governador. A corrente vai da liderança ao vereador e ao prefeito, destes ao deputado estadual e depois federal, alcançando o senador e o governador. Sem exceção. Uma corrente, mas com uma correia de transmissão que impulsiona as suas cremalheiras e direcionada para a obtenção de vantagens distribuídas às comunidades como migalhas.

O pouco escraviza e não liberta e, por isso, os que recebem ficam dependentes e pedem mais às vésperas de cada eleição. A própria ação social católica refugiou-se sem forças em ações isoladas diante de um mercado persa instalado em cada comunidade. A liderança é um ser invisível e insaciável a buscar nas tetas dos políticos, quando não direto nos favores governamentais, a manutenção do próprio status e a parcela que deve distribuir a todos aqueles que sabe subjugar e manter sob a proteção de sua liderança.

A síntese está fielmente numa história vivida aqui. Um candidato, já eleito, chamou um amigo que tivera gestos sem condicionar a recompensas, e perguntou o que queria ser. O amigo agradeceu, e repetiu o que sempre disse: nada. Mas, com o bom humor de sempre, brincou: só aceitaria se fosse para ser uma liderança. Liderança? Perguntou o amigo eleito. E ele completou, soltando uma gargalhada: Não precisa de cargo, pede o que quer, não presta contas de coisa nenhuma e não é obrigado a cumprir compromisso

 

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