A caatinga
Por: Vicente Serejo
Olhando o livro sobre
a mesa, Senhor Redator, vem uma mistura de dor e prazer. A dor de saber que
jamais faríamos um assim, e o prazer de lamber a cria, afinal esse sertão
também faz parte da alma da gente. Se um dia lançamos ao Brasil a tristonha
latomia do aboio dos vaqueiros e o gemido triste das violas bordando os versos
dos cantadores nas grandes vozes de Felipe Guerra, Eloy de Souza, Câmara
Cascudo e Oswaldo Lamartine, agora só nos resta o belo resmungo tresmalhado do
doutor Paulo Balá.
O sertão é bem servido
de livro bonito, mas tenho pra mim que esse ‘Flora das Caatingas’ sobre o
sertão banhado pelas águas do Velho Chico, só pode ser comparado, e por isso
vem fazer parelha, com outro lançado em l995, ‘Caatinga – sertão, sertanejos’.
É como se ao sertão arcaico de homens e bichos viesse se juntar o sertão com
sua flora na monumentalidade de um vazio que se estende e se lança diante da
visão humana, como dizia Oswaldo Lamartine, até os olhos baterem nas lonjuras
das paredes do céu.
O mais antigo é uma
criação de Salvador Monteiro que conheci naquele mesmo ano de 1995, no Rio,
pelas mãos de Oswaldo Lamartine, seu amigo. Dele tenho até hoje um bilhete
sobre a importância de Oswaldo na concepção do livro. Convidado para escrever o
grande ensaio coloquial sobre o sertão, ao lado de nomes como Aziz Ab’Sáber,
Afrânio Fernandes, Renato Balieiro, Ilmar Santos, Ibsen Câmara e Luiz Emygdio
de Mello Filho, abriu mão e defendeu o nome de sua amiga Raquel de Queiroz.
Lembro que fiz duas
páginas numa das edições de O Poti naquele ano de 1995 mostrando o mais belo
conjunto de imagens ali reunido – o vaqueiro e a caatinga – no sertão feito
daquele homem que é antes de tudo um forte a vencer o calor que extenua,
descansa numa perna e noutra, filho da civilização cósmica de um mundo sem
agrados e sem amavios. Feito da brandura dos ventos que descem trazendo a noite
do alto das serras que azulam nas manhãs e nas tardes de um chão velho, de
silêncio e solidão.
Agora, e era preciso
que fosse assim, foi a vez da ciência iluminar os olhos dos nossos homens
letrados. Depois de mais de duzentas expedições e o trabalho incansável de
noventa e nove técnicos, nasceu esse ‘Flora das Caatingas’, plural na vastidão
que se estende ao longo das terras secas de quatro estados nordestinos. As
caatingas banhadas pelas águas fartas do São Francisco vencendo os apertados
dos caminhos sinuosos, entre serras e espinhos de rompe-gibão, coleando como
uma cobra pelo chão.
É vê-lo, Senhor
Redator, e desejá-lo. Adorna a mesa e a alma. E mesmo com quinhentas páginas é
de uma grandeza que cabe inteirinha na alma da gente. Com suas palavras, suas
paisagens, seus mapas e seus gráficos. Documentos antigos, desenhos velhos,
impressões velhíssimas e moderníssimas, pois tudo neste livro faz sentido. E graças
a Deus, pois mesmo patrocinado pelos cofres federais, e só assim poderia ser
feito, é adquirível por quem desejar. Acredite: é o sertão arcaico e monumental
que está ali.
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