quinta-feira, 8 de novembro de 2012

Serejo: A caatinga


A caatinga

Por: Vicente Serejo

 Olhando o livro sobre a mesa, Senhor Redator, vem uma mistura de dor e prazer. A dor de saber que jamais faríamos um assim, e o prazer de lamber a cria, afinal esse sertão também faz parte da alma da gente. Se um dia lançamos ao Brasil a tristonha latomia do aboio dos vaqueiros e o gemido triste das violas bordando os versos dos cantadores nas grandes vozes de Felipe Guerra, Eloy de Souza, Câmara Cascudo e Oswaldo Lamartine, agora só nos resta o belo resmungo tresmalhado do doutor Paulo Balá.

 O sertão é bem servido de livro bonito, mas tenho pra mim que esse ‘Flora das Caatingas’ sobre o sertão banhado pelas águas do Velho Chico, só pode ser comparado, e por isso vem fazer parelha, com outro lançado em l995, ‘Caatinga – sertão, sertanejos’. É como se ao sertão arcaico de homens e bichos viesse se juntar o sertão com sua flora na monumentalidade de um vazio que se estende e se lança diante da visão humana, como dizia Oswaldo Lamartine, até os olhos baterem nas lonjuras das paredes do céu.

 O mais antigo é uma criação de Salvador Monteiro que conheci naquele mesmo ano de 1995, no Rio, pelas mãos de Oswaldo Lamartine, seu amigo. Dele tenho até hoje um bilhete sobre a importância de Oswaldo na concepção do livro. Convidado para escrever o grande ensaio coloquial sobre o sertão, ao lado de nomes como Aziz Ab’Sáber, Afrânio Fernandes, Renato Balieiro, Ilmar Santos, Ibsen Câmara e Luiz Emygdio de Mello Filho, abriu mão e defendeu o nome de sua amiga Raquel de Queiroz.

 Lembro que fiz duas páginas numa das edições de O Poti naquele ano de 1995 mostrando o mais belo conjunto de imagens ali reunido – o vaqueiro e a caatinga – no sertão feito daquele homem que é antes de tudo um forte a vencer o calor que extenua, descansa numa perna e noutra, filho da civilização cósmica de um mundo sem agrados e sem amavios. Feito da brandura dos ventos que descem trazendo a noite do alto das serras que azulam nas manhãs e nas tardes de um chão velho, de silêncio e solidão.

 Agora, e era preciso que fosse assim, foi a vez da ciência iluminar os olhos dos nossos homens letrados. Depois de mais de duzentas expedições e o trabalho incansável de noventa e nove técnicos, nasceu esse ‘Flora das Caatingas’, plural na vastidão que se estende ao longo das terras secas de quatro estados nordestinos. As caatingas banhadas pelas águas fartas do São Francisco vencendo os apertados dos caminhos sinuosos, entre serras e espinhos de rompe-gibão, coleando como uma cobra pelo chão.

 É vê-lo, Senhor Redator, e desejá-lo. Adorna a mesa e a alma. E mesmo com quinhentas páginas é de uma grandeza que cabe inteirinha na alma da gente. Com suas palavras, suas paisagens, seus mapas e seus gráficos. Documentos antigos, desenhos velhos, impressões velhíssimas e moderníssimas, pois tudo neste livro faz sentido. E graças a Deus, pois mesmo patrocinado pelos cofres federais, e só assim poderia ser feito, é adquirível por quem desejar. Acredite: é o sertão arcaico e monumental que está ali.

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