Nas minhas mãos Mattinata, de Fernando Monteiro (coedição da
Nephelibata ,SC, e da Sol Negro, RN), composto de três poemas longos, de que
destaco versos do que dá nome ao livro:
Um oculto coro
perto
longe
como agora estamos,
unidos
separados
apesar da palavra
“amem”
sem o assento de
Deus
para sempre
esmagando-a
também (o trono da
divindade
vazio como a
dispensa dos pobres).
Confesso não me sentir muito apto a comentar poesia, por
falta absoluta de aparato técnico-teórico, mas, como também me ocorre com a música,
de igual lacuna, consigo suprir parcialmente a deficiência, por ter um bom
ouvido, capaz de distinguir semitons e arquiteturas harmônicas.
Também leio “de ouvido” poesia.
E, do alto da minha insignificância, avalio o poema pela
capacidade de me comover e “entender” a linguagem necessariamente condensada e
elíptica.
Assim, por vias tortas, percebo algo de brilho e beleza num
Drummond e num Whitman, num Cabral e num Auden, num Bandeira e num Pessoa, e
basta de metonímias.
No caso do meu querido amigo Fernando Monteiro, cujas
divergências tópicas sobre isso ou aquilo no paul das li(n)des literárias
jamais chamuscaram o afeto que se encerra em nossos peitos sazonados, tenho-o em
conta de um dos escritores de maior domínio técnico, tanto na prosa quanto na
poesia, de nossa atualidade.
[Em alguns de seus romances, bem urdidos todos, penso que sua
virtuosidade poderia ter como matéria-prima menos (meta)literatura e mais vida
concreta, mas isto é apenas uma opinião.]
Em Mattinata, deparo-me com uma poesia formalmente refinada,
centrada no dilema universal do amor-desamor, separação-solidão, cantado de
forma estritamente pessoal, num tom de melancolia que se derrama quase
materialmente das páginas do livro. Um homem acorda num apartamento ou quarto
de hotel, numa cidade inominada (Roma?) ao lado da mulher com quem viveu um
amor que se desfez na noite anterior e da janela observa o albor (a mattinata)
mergulhado em recordações, suspeitas e certeza da separação, precipitada por
atos ou palavras não nos reveladas. E, para meu gáudio (oh palavra!), a
ruminação do amante sombrio é, vez por outra, iluminada por flashes da vida que
corre à revelia de todos nós, amantes iludidos ou desiludidos, profetas ou
balconistas, como a imagem dos dois últimos versos citados (“o trono da
divindade / vazio como a dispensa dos pobres).
Bravo, Fernando!
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