Por: Vicente
Serejo
Agora faço como se
faz nessas horas: passou o concurso de miss e nem dei conta. É que sou desse
tempo, Senhor Redator. Mais: fui jurado, vendo as medidas dos quadris, coxas,
busto e a altura das pernas, diante da pequena multidão entusiasmada que lotava
o Palácio dos Esportes. No centro da quadra, no meio da passarela, Eunice e
Nilson Freire, o casal de locutores que Luiz Maria Alves fazia questão que
transmitisse o desfile, ao vivo, para a Rádio Poti. Ser jurado, naqueles anos,
era um sucesso.
O concurso de miss,
mesmo depois da morte de Assis Chateaubriand, continuou por algum tempo sendo
exclusivo dos Diários Associados. A tevê Tupi do Rio comandava o desfile
nacional e nas capitais, rádios e jornais onde não existisse canal de tevê. Era
um desassossego. Alves centralizava todas as decisões para que fosse um exemplo
de organização. O jornal estimulava a escolha nos municípios com cobertura de
tudo e o desfile final em Natal, sob controle absoluto e total de cada diretor
regional.
Nos bastidores, o
concurso de miss tinha detalhes que muitos são sabem até hoje. Além dos dois
patrocínios comerciais exclusivos e marcantes – Helena Rubinstein e maiôs
Catalina – tinha um instante que mais parecia segredo de guerra: dias antes
chegava, via aérea, uma caixa com os maiôs que só Luiz Maria Alves abria,
conferia, lacrava outra vez, e deixava debaixo de sua mesa. Ninguém,
absolutamente, ninguém, podia vê-los. O próprio Diário só divulgava no dia do
desfile para evitar o risco de imitações.
O concurso dava trabalho
antes, durante e depois. Antes, para que os prefeitos assumissem a escolha em
seus municípios. Durante, pois ficavam em Natal, hospedadas num hotel, e eram
muitas as atividades. Era preciso melhorar o visual. Cabelos, maquiagem, trajes
típicos e longos elegantes que Alves chamava vestidos de baile. Tudo pronto, o
desfile. Com cuidados inacreditáveis como não faltar modess. Algumas
menstruavam emocionadas, por isso uma funcionária do jornal ficava lá, de
prontidão.
Uma vez eleita, a
miss Rio Grande do Norte assinava contrato com os Diários Associados, que
passavam a ter a exclusividade de sua imagem. O jornal financiava tudo: do
tratamento dentário a aulas de etiqueta, num código de ferro que embora não
fosse divulgado, era observado discretamente e com rigor: não bastava ser moça,
a exigência era um sinônimo fiel de virgindade. Era preciso, sobretudo, não ser
moça falada. E Alves, detalhista, determinava que fossem tratadas pelos
locutores de ‘senhorinhas’.
Eleita, e na
hipótese de ter emprego, o jornal garantia a reposição salarial. Mas uma vez
certo comerciante não aceitou manter o vínculo, mesmo ressarcido, e demitiu a
Miss RN. Alves reagiu e admitiu no Jornal como secretária, garantindo o
emprego, um dever contratual. Meses depois, precisou ir ao Rio – só viajava de
carro – e deixou cheques assinados para pagar seu Imposto de Renda, tarefa que
confiou a Afonso Laurentino. Bastava, na data correta, ele dizer o valor e ela
preencheria o cheque.
Dois meses depois
Alves retornou, recuperado da cirurgia de catarata que fez no Rio, hóspede da
irmã. Afonso vai entregar a quitação das parcelas do imposto, e avisa que pagou
com cheque dele mesmo, Afonso. E explicou, com ar crítico, que a miss preencheu
duas vezes errado o cheque e o banco não aceitou. Alves, machão e maroto, não
contava assim a história. Dizia, com o riso lavando os olhos: ‘Afonso é muito
exigente. A biologia nos deu uma perfeição e ele ainda queria que fosse
inteligente’.
A cena hilariante foi na redação. Uma vez a miss eleita foi visitar o jornal
e por coincidência lá já estavam Cauby Peixoto e uma Banda de Música
homenageando o jornal. Cassiano Arruda Câmara, então editor, pediu a Cauby que
cantasse Conceição, enquanto a banda acompanhava e a miss desfilava. Um
espetáculo que nunca mais uma redação vai assistir. Ainda lembro a cena: Alves
num canto, mãos nos quadris, cachimbo apagado no canto da boca, morrendo de
rir. Não se faz mais concurso de miss como antigamente.
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