quarta-feira, 12 de outubro de 2011

Apontamentos sobre o fantástico mundo das reuniões

Crônica de SAMARONE LIMA, jornalista e escritor, cronista de mão cheia, no seu blog Estuário: http://www.estuario.com.br/

"Há tempos não me reúno tanto. São projetos, encaminhamentos, pendências. Sou informado de reuniões em todos os horários, lugares e dias. Por email, telefone, por sinais de fumaça, por emissários, radio-amador, bihetes em papel de embrulhar pão. O efeito cascata, neste ramo, existe de fato. Uma reunião leva sempre a outras.
Parece que reunião se incorporou ao caráter do brasileiro de uma forma tão arraigada, que o senso do tempo foi também esquecido. Atrasos de 30, 40 minutos, por metade dos “reunintes”, são tratados como a naturalidade de um sabiá cantando na janela. Precavido, levo sempre meu livrinho na algibeira. Fico lá, me lambuzando com palavras, enquanto o povo dá sua meia hora clássica de atraso. Num caderninho, estou somando os atrasos. Por mês, são horas.
São os dois momentos mais temidos por mim em qualquer reunião – a hora de começar e a de terminar. Geralmente não começa na hora certa, e costumas terminar muito depois do tempo necessário.
Há reuniões que terminam de uma forma dramática – discute-se para saber a data da reunião seguinte, bem como o horário. Esta semana, queriam marcar uma reunião na sexta-feira, às 16h. Comecei a suar frio. Não vingou.
Até que não está tão ruim, eu é que reclamo. Já trabalhei num lugar que se reunia para discutir o tema da reunião seguinte, e ficar em silêncio um pouco era quase uma ofensa.
Bom mesmo em reunião é o dono da palavra. Aquele sujeito que fala sem parar, tem sempre argumentos e se repete o tempo inteiro. Ele nunca falta às reuniões, nunca está rouco, nunca tem uma tendinite nas cordas vocais, que deve ter outro nome. Sempre tem essa criatura que quer discutir não só o ponto em questão, mas a conjuntura, o famoso “pensar nisso levando em conta outros aspectos”. Tradução – mais 15 minutos indo para o ralo.
Sinto falta dos pragmáticos nessas horas. Este ano, somente em duas reuniões tive esta sorte. “Vamos encaminhar as coisas, para a gente terminar com um resultado concreto”, disse ela, e meus olhos já estavam lacrimejando de alegria. “Não gosto de ficar alongando reunião”, disse outra criatura, e a frase parecia ter saída de um livro de boas maneiras, uma etiqueta da inteligência. As duas reuniões duraram pouco mais de uma hora, tempo máximo para resolver qualquer pendência.
O celular, sem pudores, se tornou participante ativo das reuniões. Outro dia, a pessoa que estava falando na reunião, conduzindo um tema, muito séria e convicta, atendeu seu celular e começou a conversar com a outra pessoa. Terminado o papo, retornou do ponto onde tinha parado, como se nada tivesse acontecido. Me lembrei daquela história de Pedro Bó.
Há frases-padrão em reuniões.
“Precisa ser processual”;
“São elos de ligação”;
“Lógica de consciência”;
“Movimento de retorno”;
“Precisamos pensar o marco legal”;
“É preciso ponderar outros fatores”.
Como tenho participado de muitas reuniões, e a tendência é ser incluído em comissões, grupos de discussão, fóruns, estou desenvolvendo uma série de teorias sobre reuniões, que não levarão ninguém a lugar nenhum.
Uma das minhas teorias é de que nunca se deve marcar reuniões para horários quebrados (9h30, 10h30 etc). São as que mais atrasam. Outra teoria é que se no começo, o grupo já discutir sobre a duração da reunião, que horas vai terminar, elas são mais curtas e eficientes. A terceira teoria é que se uma reunião é marcada às 15h, vai terminar depois das 17h, muito mais por vício, que pelo conteúdo da reunião.
Como não sou ranzinza nem nada, registro algumas pequenas vitórias. Reuniões com o amigo Homero Fonseca, para discutir coisas da Bienal Internacional do Livro, são um exemplo. Agendamos sempre num café, e falamos de 12 ou 13 outros temas, geralmente coisas boas e divertidas, antes da reunião formal, e tudo caminha rápido. Sempre aparece um amigo simpático, durante o papo, que conta uma lorota e dá no pé.
Um caso a ser estudado pela ciência é Marcus Galindo, meu velho amigo. Ele participa de três reuniões simultâneas, enquanto orienta a quarta pelo celular, e escreve ata da quinta. Outro dia ele saiu de uma, almoçou se reunindo comigo e foi para a outra, já pensando na outra, à tardinha.
“Me espera aqui, bicho, que vai ser rapidinho”, disse, entrando em mais uma reunião.
Fiquei na sala dele, que tinha ar-condicionado, e poltrona, lendo meu poeta do momento ou algum romance nas intocas. Duas horas depois ele saiu, avexado. Iria para uma reunião no centro do Recife. Eu já tinha dado um baita de um cochilo.
Aí eu dei sorte, porque peguei carona. Tinha outra reunião à tardinha, eu, que graças à falta de um documento, foi cancelada.
Então fui me reunir com meus amigos do bar. A pauta era extensa e sem hora para acabar. Todos deveriam falar muito, porque o mundo está dando muito trabalho, os bancos estão quebrando e o Obama está numa baita enrascada. O único movimento de retorno que nos interessava era o do garçom. Nosso elo de ligação era a amizade, o afeto, com a mesa no centro de tudo. Ponderamos outros fatores, como o tira-gosto e a campanha do Santa Cruz no Estadual.
Graças a Deus, foi uma reunião longa, a pauta repleta e já marcamos a próxima. Não lembro se chegamos a alguma conclusão. Creio que não, diante da gravidade clubística. Registrei inúmeras questões de ordem, companheiros, e nenhum agravante que desabone os envolvidos. A conta foi regiamente paga, sem espaço para penduras.
Tenho dito."

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